.share-button {display: inline-block;}

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

NO DOI CODI : A TORTURA

NA OBAN - JANEIRO DE 1971    
                                                A TORTURA   
                  Ao chegarmos à  sede da OBAN, eu e o Élio, ouvimos uma gritaria e empurravam-nos  por um - corredor polonês - de socos e pontapés.
          Entrando no prédio, nos colocaram as pontas dos fios da maquininha de choque nos ouvido    e começaram dando choques. Junto vinham espancamentos, com cassetetes, palmatórias e pauladas. Alguns que conheciam karatê, como o Albernaz, nos desferiram golpes nas costas e no peito. Usavam os punhos - soco inglês - instrumento de ferro que se encaixa nos dedos das mãos como anéis - e tudo o que se possa imaginar de xingamentos e ofensas.
                Horas no pau -de-arara com mãos e punhos amarrados aos pés , com a coluna curvada, até não suportar mais a dor. 
                             O DELEGADO FLEURY  DO DEOPS FOI À OBAN
                                      FLEURY NA OBAN
              Vinte minutos depois de chegar na OBAN - Operação Bandeirante - que ficava na Rua Tutóia com a Rua Tomaz Carvalhal, nos fundos da 96º Delegacia do Estado de São Paulo, chegou o delegado Sérgio Paranhos Fleury, do DEOPS, que me fez algumas perguntas:- Por que eu guardava os jornais que falavam dele e do Esquadrão da Morte. Era uma série de reportagens publicada na imprensa escrita e que eu vinha lendo com interesse e recortando dos jornais onde o procurador Hélio Bicudo, o denunciava por seus crimes.
               Na OBAN, me deixaram, sem cortar a barba e de cabelos compridos. Quando viajei para o Mato Grosso e Vitória, correu o boato que eu tinha desaparecido. Na época, muitos presos procurados apareciam depois em notícias, que tinham sido – atropelados - outros mortos em – "tiroteios" - ou então  - "suicidados". Tudo secreta e - um tanto misteriosamente...
               Alguns dias depois, fui levado a um "ponto", numa rua, para encontro com alguém que eu nem sabia quem era. Não conseguiram trocar minha camisa, que havia grudado nas cicatrizes das minhas costas e que ao tentarem retirá-la, o sangue escorria pelos ferimentos. Cortaram a camisa e deixaram os pedaços grudados na pele sobre as feridas. Levamos choques no pênis, no ânus, na boca, nas orelhas, nos dedos dos pés e das mãos.
                                                   A REPRESSÃO ATUANDO NO TERRITÓRIO LIVRE
             TRÊS  DIAS INTEIROS NO CAMPUS DA USP
            Levaram-me ao campus da USP, onde eu deveria ficar nas portas das faculdades. Os agentes estacionavam seus carros próximos e armados observavam se alguém me cumprimentava. Passei uns três dias  assim. Ninguém foi preso nesses "pontos". Amarravam um fio que ia da ponta do pênis e em  torno da bolsa escrotal, descendo pela perna até o dedo do pé para eu não sair correndo e fugir
               Eu tinha pontos marcados com o "Márcio" do Rio; com Tarzan, em São Paulo, mas que estava em Recife; com padres do Nordeste, através de "Cabra", o geólogo Gerôncio Albuquerque Rocha e com Honestino Guimarães, em São Paulo. Desses somente o Tarzan  foi  preso um mês depois em Recife, mas não no ponto que havia marcado comigo.         
                Resistimos por algum tempo sem falar nada. Talvez por dois ou três dias.    
               Com a pancadaria e a violência vinham as perguntas: - Qual é o ponto ? Onde está fulano ?  Que horas você vai encontrar com seu  camarada ? Onde  é o endereço ? Quem é fulano ? É comunista ? Repetidamente. Entremeando as perguntas vinham palavrões, gritos e pancadas. Esbofeteavam, cuspiam, chutavam  nas canelas, nos joelhos. Perguntavam-nos da - Nobue "Nina", da minha mulher e meus filhos - onde estavam ? Queriam saber do dinheiro da organização.
           Durante um dos interrogatórios, em que me perguntaram se eu era comunista, respondi: - Sim, eu sou comunista. Então o Albernaz,  me deu um violento golpe de karatê, e ao cair para trás, caí em cima de uma mesa de escritório, envergando a coluna dolorosamente, quebrando duas costelas, que me deixaram sequelas para o resto da vida .
                                                               CHOQUES EM TODO CORPO
                       NA CADEIRA DO DRAGÃO 
A CADEIRA DO DRAGÃO FOI MONTADA NO GABINETE DE ARTES E OFÍCIOS  DE SP E TRANSPORTADA PARA A SEDE DA OBAN. FOI UTILIZADA EM TORTURAS À PRESOS POLÍTICOS DA DITADURA. ERA UMA POLTRONA FORRADA COM METAL PARA ESPALHAR OS EFEITOS DOS CHOQUES POR TODO CORPO DO PRESO, QUE TINHA OS PÉS, AS PERNAS E OS BRAÇOS AMARRADOS AOS SEUS APOIOS. 
               Ás vezes estávamos com os braços amarrados atrás das costas, outras vezes na cadeira do dragão, uma poltrona com aço e metal condutor de eletricidade em seus braços, onde os pulsos ficavam presos e as pernas amarradas aos pés da mesma, por horas. Ao nos colocar na poltrona, para atar os pulsos e as pernas eram enrolados panos de flanela ou de lã, para evitar que os  ferimentos deixassem marcas. Levávamos choques a cada meia hora ou quinze minutos. Jogavam água para aumentar a potência dos choques. Amarravam em dois, sentados, nus, um sobre o outro. Ao tomar os choques o torturado estremecia todo o corpo em um estertor terrível. E, ao estremecer o corpo, feria os pulsos e as pernas. Era impossível evitar isso. Os ferimentos me deixaram os ossos expostos nas pernas e nos pulsos. Seguiam depois  com o pau-de-arara, acompanhado de pancadas e mais choques.
               Nos dias seguintes a nossa chegada, vimos o companheiro"Messias", que mal parava em pé, totalmente sem equilíbrio. Depois precisou de cadeiras de rodas e quando seu pai, que era senador eleito naquele mesmo ano, da ARENA, a Aliança Renovadora Nacional do Amazonas, quis visitá-lo, o maquiaram para ocultar hematomas e marcas da tortura, obrigaram-no a permanecer  sentado e que não se levantasse, para que seu pai não notasse o estado de suas pernas.
               Após ter ido para o DEOPS "Messias"  voltou para OBAN/DOI/CODI sempre ameaçado pelo torturador Dirceu Gravina, o famoso “JC - Jesus Cristo” , que queria obrigar-me a dar choques nele. Como me recusei, JC desferiu-me quarenta  pauladas em cada joelho. Enquanto JC desferia os golpes, - Risadinha - ecoava estridente gargalhada durante essa sessão de tortura. "Messias" assistiu a essa cena.
               De outra vez, puseram-me  junto com o "Paco" amarraram-nos na  cadeira do dragão com ele sentado em meu colo. Ligaram a máquina, dando choques em nós dois ao mesmo tempo. Caímos para a frente junto com a cadeira, fiquei com um  " galo" na testa por vários dias. E ele também se machucou muito. Os torturadores riam, mas desta vez foram chamados a atenção, porque eu deveria sair à rua e as marcas atrapalhavam, na opinião dos chefes das torturas.
            DIALOGO COM O COMANDANTE DOS TORTURADORES BRILHANTE USTRA
...E A CONVENÇÃO DE GENEBRA ,
COMANDANTE TIBIRIÇÁ ?
               No terceiro ou quarto dia, após minha prisão, fui levado à uma sala onde estavam vários soldados com metralhadoras apontadas para mim e então apareceu o Major Carlos Alberto Brilhante Ustra, que se apresentou como - Dr. Tibiriçá Correia - chefe da Operação Bandeirantes, que depois passou à DOI-CODI. Ele entrou, me cumprimentou e disse que nós tínhamos perdido e que para mim a guerra estava encerrada. Também disse:- Você deve se render e reconhecer a situação. E, que só queria saber uma coisa, se eu conhecia o Tarzan de Castro e se ele estava no Brasil ?
                  Argumentei que na guerra os vencidos e os prisioneiros devem ser tratados com respeito e não com humilhações e torturas, segundo a Convenção de Genebra, da qual o Brasil é signatário.
          Ele imediatamente me mandou  de volta para o xadrez e tudo voltou ao tratamento anterior, com mais pancadarias, intercalando com choques, cadeira de dragão, pau-de-arara, etc.            
               Barros, sequestrada com Giannini , tinha o pé enfaixado e só andava apoiada em alguém. Quebraram e aplicaram uma injeção com ácido no pé dela. Giannini,  pouco melhor, mas com as marcas dos maus tratos e das torturas comuns nos interrogatórios das primeiras horas, quando pretendiam alcançar toda a organização e sua direção.
                                                   PENTOTAL : O SORO DA VERDADE
 NA SALA DE TORTURAS : "A SESSÃO  ESPECIAL"
               Prometiam aplicar a pentotal - soro da verdade - no Élio e em mim. Garantiam que não sairíamos vivo dali ao final do tratamento que nos aplicariam. Os repressores se concentravam em uma organização para desmantelar sua estrutura e principalmente atingir seu núcleo dirigente, eliminá-los com prisões, torturas e também com assassinatos. E foi o que fizeram com todas as organizações: ALN, VPR,VAR-PALMARES, AP, ALA VERMELHA, PC do B, PCBR, PCR, POLOP, POC, MR-8, MRT,  REDE, MRM, GRUPO DO GAÚCHO, MOLIPO, GRUPO PRIMAVERA, PC do B e depois o velho PARTIDÃO. Todos tiveram gente presa, torturada e muitos mortos depois de presos. Nessa constelação de siglas da esquerda, a Ala Vermelha foi a que tendo optado e defendido a luta armada, conseguiu manter viva a maioria dos militantes, que não a deixaram por outras organizações. Tivemos muitas prisões, porque confrontávamos a ditadura com nossas ações e publicações.
            Depois de muitos dias seguidos desse tratamento, levaram-me com Élio ao que parecia ser a nossa despedida definitiva. Nos colocaram na sala de tortura, no  pau-de-arara. Ligaram um aparelho na tomada e estenderam de lá um fio até os nossos corpos e com a outra ponta percorriam os pontos onde iam aplicando os choques. Um outro torturador com a máquina, aplicava o choque em outros locais, de modo que nos forçavam um a dobrar o corpo para frente e o outro para trás. A gente se envergava ao extremo da capacidade corporal, às vezes até estalar as juntas. O esforço, nas pernas e nos braços presos ao pau-de-arara, era horroroso. Recebíamos duas correntes simultâneas em quatro ligações. A dor causada pelo esforço na coluna era terrível. Nesse dia não resistimos muito tempo.
        As  máquinas tinham voltagens diferentes do aparelho ligado à tomada. O último  podia regular a  voltagem para mais ou para menos. Fiquei sabendo depois que era possível alcançar até 600 volts. Não posso afirmar se isso era verdade. Sendo eu eletricista, diziam que era necessário aumentá-lo e foi o que fizeram,  dizendo que eu resistiria mais.
               O Élio tinha uma úlcera de estomago, que estourou, e começou a expelir sangue pelo nariz e pela boca. Foi levado às pressas para o  Hospital do  Exército e depois foi para as Clínicas. Pensei que ele estivesse morto, ficou entre a vida e a morte por uns quarenta dias, quando saiu de lá. Voltou para o DOI-CODI , mas não nos vimos mais. De lá foi enviado para o DEOPS e depois para o presídio Tiradentes. Sei que depois de anos foi libertado e voltou a morar em Goiânia. Não mais o vi.
               Tive um desmaio e fiquei com a metade do corpo paralisado temporariamente. O braço  esquerdo e as pernas ficaram sem movimentos por certo tempo. Quando abri os olhos e  recobrei a consciência, voltando aos sentidos, ouvi a voz do Major Ustra gritando sem parar: - O Edgard  não pode morrer, o Edgard não pode morrer. Com nossas prisões, diziam, ele ganhou a patente de coronel do exército, hoje reformado.  
               A sala estava cheia de gente. O "médico" que me aplicou a injeção, ainda segurava a seringa na mão. Em seguida massageou meu peito, o coração, depois mediu a pressão e ficou observando. Enfermeiros massageavam o braço e a perna esquerda. Outros colocavam bolsas de água quente no braço, na perna, iam mudando de lugar e trocando quando esfriava. O médico tinha traços de japonês, não afirmo com certeza, mas provavelmente era Harry Shibata, do Instituto Médico Legal de São Paulo. Gritavam para que eu esticasse a perna, abrisse a mão e estirasse o braço esquerdo, que havia encolhido no momento em que aplicaram a descarga elétrica.
                                                                       NA SOLITÁRIA
            COM   DIÓGENES SOBROSA NA SOLITÁRIA
               Quando melhorei, fui carregado para a solitária. Fiquei durante uma semana ali com Diógenes Sobrosa, da VPR, que tinha sido preso no Vale da Ribeira. Ele tentava colocar suco de laranja na minha boca e também me alimentar. Estava seguindo ordens do médico e dos enfermeiros, que eram fiscalizados pelo carcereiro e por guardas da PM, que ficavam no pátio vinte e quatro horas, vigiando.
               Sobrosa me contou um pouco de sua história. A prisão no Vale do Ribeira onde esteve com outros camaradas. Foi condenado junto com Lamarca, Fujimori e Lucena, filho de Antonio Lucena, que morreu assassinado pela repressão no interior de São Paulo. Sobrosa e Lucena chegaram a ser condenados à morte, pena depois modificada através de recurso de defesa. Os dois foram, dos presos, os mais torturados na OBAN/DOI-CODI. Se é que pode se dizer assim... Me refiro, aqui, aos que saíram vivos de  lá.
               O enfermeiro vinha todos os dias me ver e em alguns mais de uma vez, me dava remédios e fazia massagens. Recuperei o movimento da perna, pude me levantar e voltar a andar após esse tempo. O braço levou mais tempo para normalizar.
             Link para trailer do filme : RETRATO 3X4 DE UM TEMPO  dirigido  por Ângelo Lima,  que traz trecho de um depoimento de Élio Cabral de Souza, capturado e torturado pelo DOI CODI,  com Edgard de Almeida Martins: http://youtu.be/iZxUB-0ewGE 
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário